Códigos e manuais no diagnóstico do TEA:
CID-10, CID-11 e DSM-5-TR
Autora: Simaia Sampaio
Publicado em: 24 de outubro de 2025 (Ver forma de referenciar ao final do texto)

A forma como compreendemos e classificamos o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) evoluiu muito nas últimas décadas. As atualizações nos principais manuais diagnósticos — CID-10, CID-11 e DSM-5-TR — refletem avanços científicos e clínicos importantes, promovendo uma visão mais abrangente, funcional e individualizada sobre as pessoas autistas.
A seguir, entenda as principais diferenças entre essas classificações e como elas impactam a prática clínica e educacional no Brasil.
1. Como o Autismo era classificado na CID-10
Na CID-10 (Classificação Internacional de Doenças – 10ª edição), o autismo era incluído no grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), sob o código F84. Dentro desse grupo, havia subcategorias específicas, como:
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F84.0 – Autismo infantil
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F84.1 – Autismo atípico
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F84.2 – Síndrome de Rett
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F84.5 – Síndrome de Asperger
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F84.8 – Outros transtornos globais do desenvolvimento
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F84.9 – Transtorno global do desenvolvimento não especificado
Essa subdivisão fragmentava o diagnóstico, tratando manifestações diferentes do espectro como condições separadas.
Na prática, isso gerava dificuldades na compreensão da amplitude do autismo, além de inconsistências em laudos e políticas públicas. Muitas famílias, por exemplo, não conseguiam acesso a direitos e intervenções porque o diagnóstico “Síndrome de Asperger” não era reconhecido em alguns sistemas de saúde e educação como pertencente ao espectro autista.
2. As mudanças trazidas pela CID-11
A CID-11, publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e em vigor internacionalmente desde 1º de janeiro de 2022, trouxe uma reformulação completa na forma de diagnosticar o autismo.
Embora a CID-11 esteja oficialmente em vigor em todo o mundo desde 2022, o Ministério da Saúde do Brasil determinou que sua adoção obrigatória ocorrerá a partir de 1º de janeiro de 2027, segundo a Nota Técnica nº 91/2024.
Até essa data, os sistemas públicos e privados de saúde, além dos registros escolares e previdenciários, continuam utilizando a CID-10 como referência oficial.
Entretanto, muitos profissionais já utilizam a CID-11 e o DSM-5-TR de forma complementar, principalmente em avaliações neuropsicológicas, psicopedagógicas e psiquiátricas, para descrever melhor o funcionamento global do indivíduo.
Na CID-11, todas as condições relacionadas ao espectro autista são reunidas sob um único código:
6A02 – Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)
Com isso, desaparecem diagnósticos separados como “autismo infantil” ou “síndrome de Asperger”.
A nova classificação reconhece que o autismo é um espectro contínuo, com diferentes níveis de suporte, perfis cognitivos e comunicativos.
Critérios centrais da CID-11
Para o diagnóstico de TEA, a CID-11 estabelece dois eixos principais de sintomas:
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Dificuldades persistentes na comunicação social recíproca e na interação social, em múltiplos contextos.
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Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, incluindo hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais (aspecto que não aparecia na CID-10, mas que reflete uma das queixas mais frequentes das pessoas autistas e suas famílias).
Esses critérios estão alinhados com o que já vinha sendo adotado pelo DSM-5-TR, permitindo maior padronização entre sistemas diagnósticos no mundo.
3. A classificação funcional segundo deficiência intelectual e linguagem
Um dos maiores avanços da CID-11 é a possibilidade de descrever o perfil funcional da pessoa autista.
Diferentemente da CID-10, que categorizava tipos de autismo, a CID-11 especifica o funcionamento a partir de dois eixos principais:
a) Presença ou ausência de deficiência intelectual
A CID-11 diferencia o TEA conforme a presença, ausência e grau de deficiência intelectual (leve, moderada ou grave).
Essa distinção é essencial, pois autismo não é sinônimo de deficiência intelectual.
Estudos mostram que cerca de 40% a 50% das pessoas autistas não apresentam deficiência intelectual, e muitas têm inteligência média ou acima da média. Essa diferenciação permite compreender melhor as potencialidades cognitivas de cada indivíduo e definir estratégias educacionais e terapêuticas mais adequadas.
b) Grau de comprometimento da linguagem funcional
Outro ponto inovador é a avaliação da linguagem funcional, que considera o nível de comunicação espontânea e compreensiva, e não apenas o número de palavras emitidas.
A CID-11 permite indicar se a pessoa apresenta:
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Linguagem funcional ausente ou mínima: ausência de fala ou uso muito restrito de palavras;
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Linguagem funcional limitada: frases curtas, vocabulário restrito, dificuldades de fluência;
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Linguagem funcional atípica: uso formal, repetitivo ou literal da linguagem, dificuldade com a comunicação social;
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Linguagem funcional adequada: boa compreensão e expressão verbal, mas possivelmente com dificuldades pragmáticas sutis.
Essa análise possibilita um diagnóstico mais preciso e individualizado, que serve de base para planejar intervenções fonoaudiológicas, psicopedagógicas e neuropsicológicas com maior assertividade.
4. O DSM-5-TR e sua contribuição para a compreensão do espectro
O DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – Texto Revisado, 2022), publicado pela American Psychiatric Association (APA), é o principal manual diagnóstico utilizado na psiquiatria e psicologia clínica.
Desde o DSM-5 (2013), o autismo passou a ser classificado sob o termo único “Transtorno do Espectro Autista (ASD)”, substituindo categorias como “Síndrome de Asperger” e “Transtorno Invasivo do Desenvolvimento”.
Critérios diagnósticos do DSM-5-TR
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Déficits persistentes na comunicação social e na reciprocidade emocional, incluindo dificuldades de contato visual, expressão facial e compreensão social.
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Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, como rotinas inflexíveis, fixações, movimentos estereotipados e reatividade sensorial alterada.
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Início dos sintomas no período do desenvolvimento precoce, mesmo que se tornem mais evidentes apenas em contextos sociais mais exigentes.
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Prejuízos clinicamente significativos nas áreas sociais, acadêmicas, ocupacionais ou de autonomia.
Níveis de suporte
O DSM-5-TR propõe três níveis de suporte para indicar a intensidade de acompanhamento necessária:
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Nível 1 – Requer apoio: dificuldades perceptíveis sem suporte, mas funcionalidade preservada.
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Nível 2 – Requer apoio substancial: déficits evidentes mesmo com intervenção.
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Nível 3 – Requer apoio muito substancial: comprometimento grave da comunicação e da autonomia.
Esses níveis não representam “graus de autismo”, mas necessidades de suporte, que podem variar conforme o contexto e o desenvolvimento da pessoa.
6. Por que essas mudanças são importantes
Essas atualizações representam um marco na compreensão moderna do autismo.
O foco deixa de ser a simples presença de sintomas e passa a incluir o modo de funcionamento, o perfil cognitivo e a autonomia.
Para profissionais da saúde e da educação, isso significa:
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Diagnósticos mais precisos e uniformes;
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Intervenções mais personalizadas;
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Planejamento terapêutico mais eficaz;
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Maior coerência entre laudos clínicos e educacionais;
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Facilitação no acesso a direitos e políticas públicas.
Acima de tudo, o novo modelo reforça a ideia de que cada pessoa autista é única, com suas habilidades, desafios e formas de perceber o mundo.
7. Conclusão
A transição da CID-10 para a CID-11 e a integração dos critérios do DSM-5-TR refletem o compromisso da ciência com uma visão mais inclusiva e precisa do espectro autista.
Essas mudanças não apenas unificam a linguagem diagnóstica, mas aproximam a prática clínica da realidade das pessoas autistas, promovendo mais compreensão, respeito e qualidade de vida.
O diagnóstico, em qualquer sistema classificatório, deve ser visto como o ponto de partida para um cuidado integral, e nunca como uma limitação.
Referências
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American Psychiatric Association (2022). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – Text Revision (DSM-5-TR). Washington, DC.
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Organização Mundial da Saúde (WHO). (2022). International Classification of Diseases, 11th Revision (ICD-11): 6A02 Autism Spectrum Disorder.
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Ministério da Saúde (Brasil). Nota Técnica nº 91/2024 – Implantação da CID-11 no Brasil até 2027.
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Volkmar, F. R., & McPartland, J. C. (2022). Autism Spectrum Disorder Across the Lifespan. Annual Review of Clinical Psychology.
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Tismoo (2023). CID-11 unifica o Transtorno do Espectro do Autismo sob o código 6A02.
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Canal Autismo (2024). Atualização sobre o uso da CID-11 e DSM-5-TR no diagnóstico do TEA.
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Associação Americana de Psiquiatria (APA). Autism Spectrum Disorder – Clinical Criteria (2022).
Como referenciar este texto:
SAMPAIO, Simaia. Diferenças entre o diagnóstico de Autismo na CID-10, CID-11 e DSM-5-TR. Psicopedagogiabrasil, 2025. Disponível em: <www.psicopedagogiabrasil.com.br/comoidentificarsinaisdedepressãoinfantil>. Acesso em: dia, mês e ano.
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