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Onde está o construtivismo?

O gato comeu! O gato comeu!


Por:  Simaia Sampaio


     Há algum tempo temos ouvido falar muito em construtivismo, cujo caráter pedagógico de muitas escolas vem sofrendo transformações. Muitas tentam adequar-se de forma coerente preparando seus profissionais, oferecendo cursos de extensão, de relações interpessoais e exigindo dos mesmos a prática construtivista dentro da sala de aula, no caso dos professores e fora dela como coordenadores, orientadores, supervisores e até mesmo os “esquecidos” funcionários da secretaria, tesouraria, portaria. Porém outras escolas, aos trancos e barrancos, meio que “remendado”, tentam fazer o que não é nem construtivista nem tradicional. Na verdade é uma mistura, cujo conceito ainda tento elaborar, cujo método ainda tento desvendar.


    A analogia feita com o refrão da música: Onde está o dinheiro? O gato comeu! O gato comeu!, ilustra uma realidade conhecida de muitos educadores: dúvida, incerteza, insegurança quanto à aplicabilidade do construtivismo, idealizado por Piaget, ficando reduzida a uma tentativa frustrada cuja prática permanece longe daquilo que realmente se constitui.


      A escola faz para os pais, aquele belo discurso de época de campanha eleitoral. Usa termos familiares e envolventes: “nosso filho” está indo muito bem, “nosso fulano” está brincando muito em sala de aula, anda muito desatento. O pronome possessivo em questão mascara uma imagem puramente falsa fazendo os pais acreditarem que seus filhos estão seguros ali, tal qual os eleitores que, iludidos pelo discurso, acreditam naquele político que certamente votarão.


     Os pais acabam acreditando que naquela escola seus filhos estarão realmente aprendendo. Mas aprendendo o que? A decorar conceitos do tempo de seus avós? A receber tudo pronto sem questionamentos? A não pensar e sim a reproduzir?


     É lamentável ver a empolgação de professores que entram nestas escolas com toda energia e gás, querendo colocar em prática tudo que aprenderam ou estão aprendendo na faculdade. Lamentável porque esta empolgação geralmente não dura mais que seis meses em sala de aula. E até mesmo aqueles professores que não freqüentaram a faculdade, mas que tem grandes idéias afins ao construtivismo, sentem-se frustrados ao restringirem-se às exigências impostas pela escola.


     Ao depararem-se com um sistema pronto, com módulos ou livros adotados pela instituição que servirão de guia para as aulas, os professores ficam obrigados a usá-los até o fim da unidade, não restando mais nada a fazer senão extrair o máximo dali, isto é, se der tempo.


     O professor prepara uma bela aula construtivista, recheada de exemplos práticos tirados do cotidiano dos alunos. Maravilha! Só tem um problema: uma aula assim precisaria de algum tempo para os alunos darem tudo de si, exporem tudo que pensam sobre aquele assunto, sem falar que um assunto puxa outro e surgem as intermináveis, mas construtivas dúvidas. No entanto muitas escolas não estão dispostas a abrir mão de seu programa, de seu planejamento. Assim, cabe ao professor cumprir este programa com pressa, cujos alunos são os maiores prejudicados, tornando-se vítimas deste processo ilusionista.


     A conseqüência de tudo isto são os problemas de aprendizagem, já conhecidos em nosso meio escolar. E porque será que estes problemas são tão constantes?


     A maioria dos professores não faz distinção ou não tem conhecimento dos quatro períodos, identificados por Piaget, que correspondem ao desenvolvimento das estruturas da inteligência. Dolle (2002, p. 104) expõe estes períodos da seguinte maneira: período sensóriomotora (até os 2 anos); período da inteligência simbólica ou pré-operatória (de 2 aos 7-8 anos), período da inteligência operatória concreta (de 7-8 a 11-12 anos), período da inteligência operatória formal (a partir de 12 anos, com equilìbrio entre 14-15 anos).

 
     Identificar estes períodos é de grande relevância para o trabalho pedagógico pois, é baseado neles que o professor saberá quais atividades mais adequadas para cada idade.


     É este um dos grandes problemas enfrentados pelos alunos e que aparentemente ainda não foram solucionados. Professores aplicam problemas matemáticos correspondentes ao nível de inteligência operatória formal (a partir dos 12 anos) para que estas crianças, que ainda atuam no operatório concreto, tentem solucionar. Levantar hipóteses, fazer suposições ainda não corresponde a esta faixa etária, isto só irá acontecer mais tarde. “Não estaria aí a origem do horror à matemática tão comum entre nossos alunos? Parece então ser de primordial importância para o educador conhecer as etapas do desenvolvimento cognitivo da criança para poder adequar o ensino a essas etapas” (CARRAHER, 2002, p. 80)


     Segundo Piaget (1987), a criança dos 7 aos 11-12 anos encontra-se no período operatório concreto, ou seja, ela só opera sobre o concreto sem a possibilidade de levantar hipóteses. “A inteligência operatória consiste, pois, em classificar, seriar, enumerar os objetos e suas propriedades no contexto de uma relação do sujeito ao objeto concreto direto e sem a possibilidade de raciocinar sobre simples hipóteses”. (PIAGET, p. 116, 1987). 


     O professor que tem conhecimento dos termos assimilação, acomodação e adaptação, retirados por Piaget da Biologia tem grandes chances de tornar sua aula mais atraente. Na assimilação o aluno irá incorporar um novo objeto ou idéia ao que já é conhecido. A acomodação é a transformação que o organismo sofre para lidar com o ambiente, ou seja, diante de uma nova idéia o sujeito modifica seus esquemas adquiridos anteriormente para adaptar-se à nova situação (GOULART, 1995, p. 16). Por isso a importância de se fazer um pré-teste antes de iniciar um assunto para que se verifique o quanto deste assunto os alunos sabem e a partir daí elaborar sua aula com o objetivo de facilitar o processo de aprendizagem.


      Carraher (2002, p. 19) nos fala que aprender a pensar sobre assuntos é mais importante que aprender fatos sobre os mesmos assuntos. Que o ensino e a aprendizagem deverão ser vistos como um convite à exploração e à descoberta ao invés de transmissão de informações e de técnicas. Conforme Weiss (2003, p. 100) “...há professores que contribuem para a construção de bloqueios e condutas aversivas com a Matemática, pelo seu discurso autoritário e ameaçador, exigências absurdas, criação de clima geral de insegurança em sala de aula, contribuindo para a formação de baixo autoconceito”.


      Outro problema é que, a maioria dos professores, tendem a reproduzir ali, em sala de aula, mais precisamente no quadro negro, o assunto tal como está no livro. Alguns alunos realmente possuem mais facilidade para entender, mesmo sendo desta forma tão tradicional, tão pouco estimulante, porém outros não. Desta forma, poderá dar-se início a uma diferenciação entre os próprios colegas: “como você não conseguiu entender, é tão fácil!” E o professor, que não estiver atento aos seus alunos, certamente passará por cima das dúvidas de alguns que, envergonhados, não questionarão, não participarão, e possivelmente não aprenderão.


      O professor atento é aquele que, percebendo que alguns não estão participando da aula e das atividades, procuram saber o motivo, tentando modificar esta situação.


      A não assimilação do conteúdo pelo aluno poderá gerar, no mesmo, frustração e baixa auto-estima já que, possivelmente, sentir-se-á diferente do grupo. Muitas vezes, este mesmo grupo passa a discriminá-lo com apelidos pejorativos,depreciando ainda mais sua auto-imagem, o que poderá levá-lo a acreditar que não é capaz e sua aprendizagem ficará refém desta segregação.


      Weiss (2003) nos diz que “Casos há em que tal desinteresse é visto como um problema apenas dos alunos, sendo ele encaminhado para diagnóstico psicopedagógico por ‘não ter o menor interesse nas aulas’ e ‘não estudar em casa’, baixando assim sua produção”.


     Quando esta criança chega ao psicopedagogo, seja através de um encaminhamento da escola, seja pela preocupação da família, ela já está carregada de frustrações. E o que fazer agora?


       O psicopedagogo, a princípio, fará um diagnóstico através do qual iniciará uma investigação para “obter uma compreensão global da sua forma de aprender e dos desvios que estão ocorrendo nesse processo” (WEISS, 2003, p. 28).


      É importante observar que a forma de se operar na clínica para se fazer um diagnóstico varia entre os profissionais dependendo da postura teórica adotada.


     Na linha da Epistemologia Convergente, Visca nos informa que o diagnóstico começa com a consulta inicial (dos pais ou do próprio paciente) e encerra com a devolução (1987, p. 69). Portanto, o profissional que segue esta linha, fará o diagnóstico dentro de oito a dez sessões seguindo as seguintes etapas: 1. Entrevista inicial de contrato com os responsáveis; 2. Realização da E.O.C.A. (Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem) com o sujeito; 3. Aplicação das provas operatórias de Piaget e provas projetivas psicopedagógicas; 4. Anamnese com os pais ou responsáveis; 5. Entrevista, com o sujeito e os responsáveis, para devolução e encaminhamento.


      Os profissionais que optam pela linha da Epistemologia Convergente realizam a anamnese após as provas para que não haja “contaminação” do relato trazido pela família, pois “... os pais, invariavelmente ainda que com intensidades diferentes, durante a anamnese tentam impor sua opinião, sua ótica, consciente ou inconscientemente. Isto impede que o agente corretor se aproxime ‘ingenuamente’ do paciente para vê-lo tal como ele é, para descobri-lo. (Visca, 1987, p. 70).


      Após estas sessões o psicopedagogo irá verificar se há realmente a necessidade de um atendimento psicopedagógico. Em algumas situações faz-se necessário mais de um encaminhamento além do psicopedagogo, tais como psicólogo, fonoaudiólogo, neurologista etc. Só após o diagnóstico, o psicopedagogo irá verificar tais necessidades.


      Confirmada a necessidade do tratamento e iniciado o atendimento psicopedagógico, a criança poderá sentir-se mais livre das pressões e mais confiante, já que estará num lugar onde terá a possibilidade de trabalhar com jogos diversos, objetos e atividades de seu interesse e que poderão ajudá-la a sentir-se mais confiantes em suas atitudes. É possível que perceba que o olhar do psicopedagogo é de ajuda, que não será cobrada pelo certo ou errado, que lhe será ensinado como aprender a aprender e assim poderá dar um grande passo para sua aprendizagem sentindo-se mais capaz e acreditando em seu potencial.


       Para finalizarmos, deixarei um questionamento para todos aqueles que, direta ou indiretamente, são responsáveis pela educação destes alunos que, através de um grito de silêncio, clamam para serem ouvidos. Relatando todo este processo, será que esta criança precisaria estar num consultório psicopedagógico? Será que se a escola abandonasse um pouco o seu egocentrismo esta criança não teria novas chances de mostrar suas capacidades? Será que o professor não poderá reverter esta situação colocando-se no papel de advogado de defesa destas crianças que só esperam a chance de provar que são inocentes e capazes?


      Devo, é claro, fazer uma ressalva: existem casos de crianças que realmente possuem dificuldades de aprendizagem, por mais que tenham todo o acompanhamento do professor. Daí a importância de um encaminhamento ao psicopedagogo, para que seja feito um diagnóstico e observadas todas estas variáveis.


       O construtivismo não está perdido. Ele poderá ser facilmente encontrado nas esquinas do comprometimento com a educação, nas lojas de responsabilidade, nas vitrines da paciência, nas avenidas de um olhar atencioso e nas escolas que já superaram o modelo tradicional e passaram a acreditar nesta nova, embora não tão nova possibilidade de fazer educação, sem que o aluno seja visto como o único responsável por seu fracasso escolar.


Bibliografia:



BOSSA, Nadia A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre, Artes Médicas, 2000.
______________. Dificuldades de Aprendizagem: O que são? Como Trata-las? Porto Alegre, Artes Médicas Sul, 2000.
CARRAHER, T. N., et al CARRAHER, D., SCHILEMANN, A., REGO, L. L. B., LIMA, J. M. F., Aprender Pensando: Contribuições da Psicologia Cognitiva para a Educação. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 2002.
DOLLE, Jean-Marie. Essas crianças que não aprendem: diagnósticos e terapias cognitivas. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 2002.
________________. Para compreender Jean Piaget: Uma iniciação à Psicologia Genética Piagetiana. Rio de Janeiro, Guanabara, 1987.
GOULART, Íris Barbosa (org.). A educação na perspectiva construtivista: reflexões de uma equipe interdisciplinar. Petrópolis, RJ, Vozes, 1995.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre, Artes Médica, 1985.
SEBER, Maria da Glória.  Psicologia do pré-escolar: uma visão construtivista. São Paulo, Moderna, 1995.
SCOZ, B. Psicopedagogia e realidade escolar: problema escolar de aprendizagem. Petrópolis, Vozes, 1994.
WEISS, M. L. L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro, DP&A, 2003.



Publicado em 19/12/2003

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